Thursday, October 25, 2007

Aguarela do meu amigo Manuel Resende
XXXX
XXXXX
XXXXXX
o ciclo do olhar 1

no vidro embaciado
plano de condensação
escorrem os ramais
da astrologia imediata

concentra-se calor
num cântico de palavras comprimidas
silêncio e tempo seguem em diante
com o rigor de engenharia mecânica:

o poema nasceu neste instante.

o ciclo do olhar 2

trata-se agora
da transformação da matéria em mar
profusão de mensagens em símbolos de pedra
raiar do sol num crepúsculo de cor
horizonte de um outono perfeito
na linha efémera do limite:

o vermelho sobressai na luz
a alma reina em constelação

trata-se agora
da reinvenção do espaço vísivel
submerso na falência do sentido:

o molhe distorce-se ao longe
no olhar
e a sombra do mundo
é apenas uma gaivota fugidia

o ciclo do olhar 3

três auroras três manhãs
com ondas de um mar gigante
o desmoronar da paisagem
em arriba de silêncio
o desagregar dos rochedos
em areia cintilante
a inundação das memórias
no meu lado litoral (a pausa para o café
a constatação do momento)

no vidro o reflexo
de um olhar denso e difuso
olhar que denuncia
o cansaço inato
do pequeno poema
que invento.


o ciclo do olhar 4

Quadro a óleo

As longas linhas de um limite adormecido
convergem para o vermelho do quadro a óleo.
Suturam a pontos largos o vazio entre as formas,
criando um todo imperceptível,
ao olhar.

O roxo povoa a periferia,
o poema colou-se ao centro.
Os seres híbridos em silhueta oram, dançam e voam
na celebração de si próprios.
A relva depositou-se no fundo
como um naufrágio de mar.
Há salpicos de sol, há o falar da noite
em murmúrio.

A tábua é o suporte.
Inicialmente rasa de consciência,
deixou-se cobrir como paleta de cores.
Deixou que a mensagem nascesse
dos movimentos da mão.
Deixou que a distância do sonho
– distância quase intangivel –
se organizasse num tempo, num espaço
e ganhasse sentido
– mesmo que tão efémero quanto a duração de um instante...
XX
Como se a arte fosse de areia ou de gelo.

(Faz-se noite sempre assim,
e o regresso termina com o repouso profundo
nas longas linhas de um limite adormecido)

Março - Junho de 2003

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