Thursday, July 22, 2021

A tua face indecisa abriu-se à transparência, deixando entrar a luz que ilumina a ave de ti. Por isso, num simples olhar difuso, voltei a ver a tua leveza dourada. Por isso, o vento levou o meu corpo para o teu. E quando a noite chegou, as palavras escorreram em nós. E o mais subtil ruído foi a música que nos embalou.

Lá longe, no mar, navegavam palavras e tempo. Cruzavam-se memórias e sóis, enquanto tu, sozinha, dançavas no azul a valsa de outra manhã. 

Sempre pensei que não chegaria aqui. Foi o voo dos insectos que me deu a direção. E assim regressei. Regressei ao teu beijo como quem regressa a casa ao pôr-do-sol.

As palavras que trocámos ficaram suspensas no dia em que te trouxe da areia. O teu olhar recuou, as mãos tremeram nas mãos. Foi impossível controlar o instante: o vento veio e soprou, mas nunca se deixou apanhar.

Monday, May 10, 2021

Vim cá para te ver. 
Escrevi-te quase todos os dias durante estes últimos dois anos, mas nunca tive resposta a qualquer carta. Sei que és uma pessoa ocupada e, muito provavelmente, nem tempo tinhas para as ler. Não penses que levo isso a mal. 

De qualquer forma, não é o teu silêncio que importa agora. O que importa é que saibas que estou aqui, que regressei de vez. A neve, o frio não são para mim. Já os não consigo suportar com este corpo que entretanto envelheceu. 

Só quero que saibas que regressei de vez.

Saturday, January 02, 2021

Veio do norte a manhã sublime. Entrou a luz nos recantos da casa. Os livros foram abertos e lidos em voz alta. Não houve então qualquer dúvida, qualquer hesitação: os corpos quiseram o mar, as mãos quiseram os corpos, e os nossos olhares foram pétalas de cosmos flutuando no céu.
Em pedaços de estrelas vibram mares de sentidos, aves brancas de outrora, aves brancas de azul. A noite veio, e eu vim com ela só para te ver. E segui os teus passos calcando, uma a uma, as pegadas cintilantes que imprimiste no céu.

Saturday, November 21, 2020

 

As árvores do meu sonho são partículas que pontuam as noites frias de neve. São palavras que se aglutinam no leito seco do rio. E as mensagens, os milhares de mensagens de gente que espera, de gente que quer, foram enviadas para um céu que há muito morreu. Não há no universo cores suficientes. E o espaço infinito não chega para compensar o que falta.

As árvores do meu sonho gretam no verão, enquanto a morte vai e vem sorrindo feliz. Ora há vento, ora tombam num chão de areia ondulada. Mas eu não ajo, nem falo, nem ofereço tulipas de amor. Porque naquele horizonte, o azul que nele vivia, foi desviado para longe, por alturas do solstício. Como vidro que sempre fui, parti-me em pedaços, e assumi assim o comando de um mundo que não é só teu.

As árvores do meu sonho são gigantes de carvão na paisagem. Não sentem, não escutam, não segredam. Não cravam as raízes nas pedras que suportam os grandes desígnios. Tudo, como elas, como eu, se limita a esperar em breves compassos musicais, sem surpresas.

O homem muito pequeno, minúsculo no vulto, é viajante lunar. Corre sempre ansioso para atingir os seus fins. Enche-se de desespero num curto-circuito de luz, olha em redor e acena às manchas sanguineas do sol que ele próprio criou. Jamais parará no seu movimento fluído, jamais regressará ao nexo. E, entretanto, as árvores do meu sonho vão lentamente secando nas costas das tuas mãos.

Sunday, May 08, 2011

Istanbul

A criança da minha memória desce a estrada asfaltada em direcção ao sol. Tu, já idoso, segues para ela num passo leve de verão. Ainda distante, preparas o sorriso e perguntas simplesmente "para onde foram os teus cowboys?" Perderam-se, tal como tu. Foram-me saindo do corpo à medida que o tempo me consumiu a infância. Perderam-se no turbilhão das coisas que enchem o meu presente. Agora, nem tu nem eles estão cá. No maior eucalipto do sítio vivia uma sombra perfeita. Lá, de mãos dadas, recuperávamos a respiração e por instantes eras também mais um dos meus heróis. Em memória do Avô R.

Saturday, November 06, 2010



Santander e Bilbao. Setembro 2010 © Ana Sã

Saturday, August 22, 2009


Esposende. Julho. 2009 © Ana Sã
Esposende. Agosto. 2009 © Ana Sã