Sebastião Salgado

"tiveste coragem de trazer esta gente contigo

isto é um velório
nao é uma festa

é uma morte que presencias

consegues ver alguns olhos secos
ou o esboçar de um sorriso?

tens coragem para contrariar
o silêncio que se impôs desde esta manhã?

pára e pensa um instante
naquele homem pálido que olha para ti

sabes quem é?
não vês nele nada de familiar?

pois é o teu pai que está morto"


não pára esta chuva
este vento no inverno de um maio

já várias árvores tombaram
e os vidros cobrem o chão

é maio ou janeiro este ano?
ou será o outro dezembro da morte que veio depois?

porque não consigo avançar
mais depressa?

parem. não me empurrem.
não tirem também de mim o pouco ar
que ainda resta

tanta gente, meus deus! (meu deus?)

o que fazes aqui, Acácio? o que fazes aqui neste sonho?
és o louco na terra
ou um anjo em missão?

parem.
deixem-no trabalhar.
cessem esta farsa
e deixem o meu morto partir