a palavra amor recorda-me
o alpendre da casa amarela
a buganvilia grande e lilás
salgada pela aragem
do mar

recorda-me

o teu andar peculiar
o sorriso matreiro
que antecedia o pregar da partida

a criança da minha memória
desce uma estrada alcatroada
em direcção ao sol

tu, mais idoso
caminhas para ela num passo leve de verão

ainda distante
retrais ligeiramente o canto da boca
esboças aquela expressão tão tua
e simplesmente perguntas
"para onde foram os teus cowboys?"

perderam-se, avô! tal como tu
foram-me saindo do corpo
à medida que o tempo
me matou a infância

perderam-se no turbilhão das coisas
que encheram o meu deserto
e me dissolveram a alma

agora
nem tu nem eles estão cá
ou se estão é porque eu vos lembro...

no maior eucalipto do sítio
vivia a sombra perfeita

lá, de mãos dadas
recuperávamos a respiração
e por instantes
eras também
mais um dos meus heróis.

X

Recordando o Sítio da Fábrica,

Cacela Velha, por volta de 1973